O que é Kung Fu?



    O termo "kung fu" significa, de forma simplificada,"trabalho duro". Mais comumente, compreende-se como "tempo de habilidade" ou "tempo dedicado a uma habilidade". Isso significa que se você for exímio em fazer algo, seja preparar arroz, cuidar do jardim ou ministrar uma aula, nisso tens "kung fu", tens habilidade. No entanto , o sentido moderno mais conhecido da palavra é como designação para as artes marciais Chinesas em geral; apesar de existirem outros termos ("chuan shu"- primeira arte; "wu shu"-arte marcial; "kuo shu"-arte nacional), nenhum é tão popular como "Kung fu".

Ideogramas de "Kung Fu"

       O que hoje se convencionou chamar "kung fu" inclui várias artes marciais chinesas, de tipos completamente diferentes. De acordo com estatísticas, há mais de 300 diferentes artes marciais chinesas. Cada uma dessas artes marciais é dividida internamente em diversos estilos e cada estilo tem suas próprias seqüências especiais de movimentos baseados em profundas teorias e técnicas, completamente diferentes de uma arte marcial para outra. 
        Assim, é equivocado afirmar, como se tornou usual no senso-comum ocidental, pressupor que exista uma única arte marcial chinesa chamada "Kung Fu", e que essa seja dividida em estilos. Na verdade, o termo Kung Fu abarca o conjunto de todas artes marciais chinesas, e não uma única arte marcial. 
     Também o que comumente se costuma chamar "estilos de Kung Fu" são na verdade diferentes artes marciais, estas sim divididas internamente em estilos, também chamados de ramos, famílias ou clãs. Por exemplo, costuma-se dizer que o Xing Yi Tchuen é um "estilo do Kung Fu", quando na verdade o Xing Yi Tchuen é uma arte marcial chinesa por si só, esta sim dividida internamente em estilos. O mesmo vale para o Tai Ji, o Ba gua, o Shaolim Bei, o Ying Jow Pay, o Wing Chun. Todas essas são artes marciais distintas entre si, e não "estilos" de uma única arte marcial homogênea que atenda pelo nome de "Kung Fu".
       Outro equívoco comum é a distinção feita entre o kung fu "externo" e o "interno". É dito que no " kung fu externo " você exercita seus tendões, ossos e pele; no kung fu interno, você treina seu espírito, seu ch'i e sua mente. A partir daí, se estabelece uma divisão arbitária entre "Kung Fu externo" e "Kung Fu interno" a partir da falsa compreensão que existem "estilos internos" do Kung Fu e "estilos extyernos". 
    Na verdade o chamado treinamento interno (Nei Kung), de fato existe na tradição marcial milenar chinesa. Além de treinar para ter um corpo forte e membros ágeis, os chineses também tinham um "treinamento interno " para ajustar corpo e mente, fortalecer órgãos internos e aumentar a circulação do ch'i da pessoa ou fluxo de energia vital. Progredindo de movimento a quietude, de dureza para suavidade,o treinamento interno visava fortalecer e preservar a saúde ao longo de toda a vida. Esse método interno nunca teve nada de misterioso ou mágico. Consistia apenas em uma série de exercícios respiratórios (Chi Kung).
    Acontece que esse tipo de treinamento (muito similar aos exercícios de Pranayama da Yoga indiana) constituem um conjunto de técnicas corporais à parte de qualquer sistema de arte marcial chinesa. Esses exercícios geralmente são combinados com o treinamento de arte marcial, em paralelo ao condicionamento físico "externo" (exercícios de força, aeróbicos, etc). O que não significa que elas façam parte de alguma arte marcial em específico, ou que uma arte marcial se caracterize como "interna" só por que alguém acrescentou esses exercícios dentro do seu currículo e de seu treino diário.
    Todas as linhagens de artes marciais chinesas acrescentaram em seus currículos algum treinamento de Chi Kung, ou seja, todas as artes marciais chinesas teriam então que ser consideradas "estilos internos do Kung Fu". Isso joga por terra o sentido e a utilidade dessa nomenclatura. Atualmente as pessoas podem optar por fazer um treino de arte marcial chinesa com mais enfoque em luta ou com mais enfoque em exercícios Chi Kung, ditos "internos", para a saúde. Assim, não faz sentido afirmar que existam artes marciais "internas" e artes "externas". O que existe é treinamento externo (físico) e treinamento interno (Chi Kung), estando ambos presentes em qualquer arte marcial de origem chinesa, podendo ser priorizado um ou outro, dependendo do enfoque que for dado em cada aula.
    O Xing Yi Tchuen, o Tai Ji e o Ba Gua, que são geralmente chamadas de "estilos internos do Kung Fu", e erronemanete relacionados apenas com métodos de treinamento interno (Chi Kung). Na verdade isso é um equívoco, visto que o Xing Yi, por exemplo, é extremamente agressivo e possui um conjunto de técnicas voltadas para a progressão em linha reta (durante o ataque), e depende de um bom condicionamento de explosão muscular (o que nenhum treinamento "interno" é capaz de dar). Nesse sentido, o Xing Yi Tchuen não tem nenhuma diferença, por exemplo, do karatê japonês ou do Wing Chun chinês. Assim, o Xing Yi deve ser vistos como uma arte marcial igual a qualquer outra, com um conjunto de métodos de treinamento tanto "externos" quanto "interno". O mesmo vale para o Ba Gua e o Tai Ji, muito embora o Tai Ji praticado atualmente no Ocidente tenha perdido seu aspecto marcial, ou seja, "externo", com o foco voltado para o combate e a luta, e tenha perpetuado apenas o aspecto "interno", ou seja, os exercícios Chi Kung para a saúde.
    Um outro equívoco muito comum é dividir as artes marciais chinesas entre os ditos "estilos do norte" e "estilos do sul". Existe uma variedade muito grande de artes marciais chinesas dentro dessa denominação genérica "Kung Fu", e elas não podem ser grosseiramente divididas entre "estilos do norte e do sul". Se seguirmos esse esquema de classificação, veremos que é dito que os estilos "do norte" utilizam prioritariamente chutes altos. Ora, o Xing Yi Tchuen originou-se no norte da China e prioriza essencialmente os chutes baixos. Então o Xing Yi já não entraria nesse esquema equivocado de classificação das artes marciais chinesas.
   


     História

    Ao contrário do que se costuma apresentar, as artes marciais chinesas  não tiveram origem religiosa. Não foram inventadas por monges, e não são originárias do Templo Shaolim. Sua utilização dentro dos templos budistas ou taoístas deu-se a partir do momento que as artes marciais já existiam de forma largamente difundida, tanto na sociedade civil chinesa quanto no meio militar, sendo a partir daí adotadas como método de condicionamento físico para monges ou pela simples necessidade de defesa dos templos.     Os primeiros relatos sobre as artes marciais chinesas remontam da dinastia Xia, que data de 2100 A.C. Sendo a China composta de 56 etnias diferentes, é natural acreditar que várias técnicas marciais foram criadas para auxiliá-las na sua sobrevivência. Os confrontos entre os diversos grupos obrigavam aos guerreiros a se aprimorarem cada vez mais com intensos treinamentos e a idealização de várias técnicas diferentes, para que assim pudessem surpreender seus adversários. Estes constantes confrontos, que se arrastaram durante toda a história da China, forçaram as artes marciais chinesas a evoluirem e se tornarem altamente eficientes. Para esta evolução também contribuíram outros fatores, tais como a incorporação dr princípios éticos filosóficos e da medicina às técnicas marciais, valorizando assim a conduta moral de seus praticantes e a preservação da sua saúde. É nesse ponto que, sendo o povo chinês um povo altamente religioso, começaram a ocorrer algumas co-relações entre o esoterismo chinês e as artes marciais.




As arte marciais chinesas praticadas atualmente são todas originárias das dinastias Song (960-1279) e Ming (1368-1644), períodos em que se desenvolveram fortemente.
Durante a dinastia Qing (1644-1911) a China tornou-se colônia inglesa, e um decreto imperial proibiu a prática de artes marciais. Sociedades Secretas preservaram as técnicas ilegalmente.
Em 1949, com a Revolução Maoísta, houve uma política de repressão às artes marciais populares. Mao Tsé Tung tentou criar uma modalidade desportiva que representasse a nação chinesa, misturando e modificando movimentos de várias artes, e estabelecendo rotinas ou coreografias artísticas, onde o elemento estético predominava. O nome que foi afirmado para esta modalidade foi o WUSHU, palavra que significa literalmente “Arte Marcial”. Apenas as escolas que se oficializaram e se puseram em condição de obediência ao governo, adequando-se aos movimentos corporais do WUSHU, permaneceram existindo com tranquilidade. As demais foram caçadas e perseguidas. Muitos mestres migraram para Taiwan ou para Hong Kong, Oceania, Europa e América.
     No início dos anos 60, as Artes Marciais Chinesas tornaram-se conhecidas no Ocidente pelo nome de KUNG-FU. Na verdade, esta palavra não tinha originalmente nada a ver com técnicas de luta. Trata-se de uma expressão originária do dialeto cantonês (grande província do sul da China) que significa “habilidade fundamentada num trabalho árduo”. Os primeiros imigrantes chineses que se aventuraram pelo mundo eram cantoneses. Ao chegarem em seus novos países, encontravam muitas dificuldades, devido ao racismo. Às vezes eram provocados para brigas, e obrigados a se defender de agressores. Então lhes perguntavam: como era possível que homens de estatura tão baixa derrotassem adversários muitas vezes mais fortes? Que técnica de luta era esta que eles dominavam? 
    Aí começou a confusão de idiomas... Querendo explicar que para adquirir tal condição de luta, era necessário treinar muito e diariamente, e não possuindo vocabulário suficiente, respondiam simplesmente: “É Kung Fu”. (o que significaria responder: “é trabalho intenso, árduo, disciplinado e perseverante”). E as pessoas interpretavam que eles praticavam uma única arte marcial chamada Kung Fu. Engano que persiste até os dias de hoje.

     O " kung fu" (conjunto das artes marciais chinesas) é ainda hoje levado a sério tanto pelo governo como pelas pessoas da República da China como uma forma de desenvolvimento pessoal ou como intrumento educativo e de valor cultural e social. Artes marciais chinesas são um assunto exigido em toda classe de educação física na China. A Universidade de Cultura Chinesa tem uma seção especial de artes marciais em seu departamento de educação física para treinar os professores e profissionais no campo. Atualmente, o que tem predominado na Educação Física na China é, no entanto, o Wushu moderno, modalidade coreográfica de movimentos artísticos e acrob[áticos, e não as artes marciais chinesas tradicionais.
      Há numerosas organizações de artes marciais privadas, como a Associação de Artes Marciais da República da China. Associações de artes marciais administradas por governos locais, como a do governo da província de Taiwan e dos governos dos municípios de Taipei e Kaohsiung, freqüentemente patrocinam atividades como seminários para os treinadores e árbitros, treinamentos para competições de artes marciais e competições de desempenho.

   
Algunas das artes marciais chinesas mais famosas no Brasil incluem:


    Xing Yi Quan (Xing Yi Tchuen): O punho da mente e do corpo, ou o boxe da intenção e da forma. É uma arte bastante simplificada, no sentido de ter uma metodologia muito prática e muito direta para o combate corpo a corpo. Utiliza posturas o mais orgânicas e naturais possíveis, sem movimentos acrobáticos ou de grande exigência física. 




   Ba Gua Zang (Pa Kua): A arte marcial chinesa mais famosa pelo uso de movimentos circulares, tanto nos movimentos de braços quanto no sistema de passos. Foi criado por Sun Lu Tang, que havia aprendido Xing Yi Tchuen com Li Cun Yi, e fundou o estilo Sun de Xing Yi Tchuen. O Pa Kua, portanto, é originário do Xing Yi Tchuen. Ele utiliza-se dos princípios de passos circulares do Xing Yi Tchuen e os desenvolve a um extremo, ao ponto de o praticante tornar-se um especialista em movimentação circular.




    Pek Siu Lum (Bei Shaolim): No Brasil é chamado de "Shaolim do Norte", tendo sido trazido para cá pelo mestre Chan Kow Wai, nos anos 60. Foi criado por Ku Yu Cheng, que sintetizou uma mescla de cinco diferentes artes marciais: o Xing Yi Tchuen, o Tai Ji, o Pa Kua, o Tan Tui, o Zhan Quan. Além  dessa cinco artes, acrescentou técnicas de Chi Kung como a Palma de Ferro e o Sino de Ouro, a famosa técnica das 10 mãos de Shaolim e rotinas de treinos com t 18 tipos diferentes de armas.


   Wing Chun (Wyng Tjun): Estilo de luta que ficou famoso mundialmente por ter sido praticado pelo ator e artista marcial Bruce Lee. É uma arte conhecida pela simplificação máxima de metodologia de luta, mais ainda do que o Xing Yi Tchuen. Utiliza técnicas de socos e chutes, cotoveladas e joelhadas, em diversos ângulos e com diversas aplicações, visando prioritariamente movimentos retilíneos. Assim como o Xing Yi, suas defesas e ataques são executadas ao mesmo tempo e os chutes são somente abaixo da linha da cintura.
   

   Cai Li Fo (Choy Le Fat): Estilo bastante conhecido por sua velocidade e potência, combina técnicas de mãos potentes (caracterizadas por movimentos muito circulares e amplos) e técnicas de chutes versáteis. O nome se deve a uma homenagem que Chang Heung fez aos seus mentores (Chan Yeun Wu, Lee Yau Shan e o monge Choy Fook).



   Tai Ji Quan (Tai Chi Chuan): O "punho da suprema cumeeira" ou "punho do limite supremo". Talvez a arte marcial chiesa mais famosa no mundo moderno, tendo no entanto se difundido neste como uma prática unicamente terapêutica, focada no treino "interno", de Chi Kung, funcionando na prática como uma modalidade de ginástica respiratória similar à Yoga indiana. No entanto, em sua origem, era uma arte marcial. Enquanto arte marcial, o Tai Ji se baseia em treze conceitos fundamentais. Estas posturas/movimentos podem ser reconhecidos nas diversas formas praticadas pelos diferentes estilos. Cada escola interpreta estes conceitos com pequenas variações. São conhecidas como As Oito Portas e os Cinco Passos.   


   Yin Jow Pay: Garras de Águia do norte. Essa arte é reconhecida pelas 108 técnicas de chaves (Chin-Na) que possui. Além disso, caracteriza-se por uma grande quantidade de chutes altos, acrobáticos, com muitos saltos que exigem muito do preparo físico do seu praticante. Atualmente, o Yin Jow Pay se divide em duas linhagens básicas:  
- A árvore do mestre Lau Fat Man
- A árvore do mestre Ng Wai Ngun


   Shuai Jiao: Os primeiros registros de técnicas de luta agarrada na China datam de 2697 A.C. sendo utilizado pelo Imperador contra os rebeldes Chih-Yiu e seu exército. Porém o Shuai Jiao, assim como o Judô japonês, é uma compliação de técnicas modernas de como derrubar o adversário a partir do princípio da alavanca, sistematizado pelos chineses. Shuai Jiao é utilizado no treinamento de guarda costas do Imperador, academia de polícia da China e Taiwan e até mesmo pela policia do Texas - USA. Hoje, na china, é incluído como modalidade desportiva, podendo ser o Shuai Jiao tradicional, que permite técnicas de projeção e chaves a ainda engloba técnicas de socos e chutes; e o Shuai Jiao desportivo, onde permite-se projeção e chaves apenas. O uniforme tradicional lembra um kimono, de mangas curtas. Diferente do Judô, a maioria das técnicas de chaves e projeções independem do uso deste "kimono", embora sejam sempre utilizados nos treinos e competições.

   Boxe Chinês Moderno (SANDA): É o nome dado à modalidade moderna desportiva de luta de contato em ringue de competição. Não é originário das técnicas de luta das artes chinesas tradicionais. Teve muito mais influência do boxe e outras artes ocidentais, embora utilize alguns conceitos de luta chinesa.